quarta-feira, 24 de junho de 2009
Educação Física na Itália
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Educação Física Escolar
Meninos e meninas: Expectativas corporais e implicações na educação física escolar |
RESUMO: Neste texto discute-se o gênero como construção social que uma dada cultura estabelece em relação a homens e mulheres, mostrando que essa construção é relacional, tanto no que se refere ao outro sexo quanto a outras categorias, tais como raça, idade, classe social e habilidades motoras. Analisa as expectativas corporais em relação a meninos e meninas e suas manifestações na cultura escolar, o esporte como conteúdo genereficado da educação física e as possibilidades de intervenção docente na construção das relações entre meninos e meninas. |
Nessa contagem regressiva para o século XXI, existe um movimento de educadores para que a escola reencontre os vínculos perdidos entre educação e humanização, assuma a formação do cidadão(ã) para sua intervenção na vida pública e fortaleça a concepção democrática, na revitalização do pensamento pedagógico, embora a imagem dela continue vinculada apenas ao treinamento para o mercado de trabalho.
Nesse sentido, a nova Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional (Brasil 1996), apesar de suas contradições, abre espaços para a construção de uma escola comprometida com a cidadania e com a rejeição à exclusão. Esses espaços são garantidos e reforçados pelas Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental (Brasil, CNE 1998) que, ao regulamentar a lei, adotam como princípios da educação a garantia aos direitos e deveres da cidadania, a política da igualdade, a solidariedade e a ética da identidade.
Também os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (Brasil 1997), que servem de apoio às discussões e ao desenvolvimento dos projetos educativos da escola, reforçam a necessidade de se construir uma educação básica que adote como eixo estrutural o princípio da inclusão, apontando para uma perspectiva metodológica de ensino-aprendizagem que busque a cooperação e a igualdade de direitos. Para isso, sugerem um conjunto de temas que aparecem transversalizados, permeando a concepção dos diferentes componentes curriculares, dentre os quais a ética, a saúde, a orientação sexual e a pluralidade cultural, englobando, portanto, as questões de gênero na cultura brasileira.
Entretanto, para que essas idéias e esses valores se tornem realidade na educação escolar não basta incluí-los nas leis e nos PCNs; é necessário entender que quanto mais o pensamento e a prática educacionais se situam no campo dos direitos, mais inevitável se torna encarar a escola como um dos espaços instituídos da integração e da diversidade. E, como recomenda Arroyo (1996), é preciso também situar a escola na construção de um projeto político e cultural por um ideal democrático que reflita, ao mesmo tempo, a complexa diversidade de grupos, etnias, gêneros, demarcado não só por relações de perda, de exclusão, de preconceitos e discriminações, mas também por processos de afirmação de identidades, valores, vivências e cultura1.
O propósito deste texto - que discute as relações de gênero na cultura escolar - é contribuir para a fundamentação de uma ação pedagógica que permita às mulheres e aos homens, conjunta e indiscriminadamente, conhecimento e vivências lúdicas do corpo que pensa, sente, age, constrói e consome cultura.
Gênero: A construção social das diferenças sexuais |
Gênero é aqui entendido como a construção social que uma dada cultura estabelece ou elege em relação a homens e mulheres, ou, como conceitua Scott (1995, p. 89), é um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, que "fornece um meio de decodificar o significado e de compreender as complexas conexões entre várias formas de interação humana".
Na visão da autora, o gênero, ao enfatizar o caráter fundamentalmente social das divisões baseadas no sexo, possibilita perceber as representações e apresentações das diferenças sexuais. Destaca, ainda, que imbricadas às diferenças biológicas existentes entre homens e mulheres estão outras social e culturalmente construídas.
Dessa maneira, a ênfase dada pelo conceito de gênero à construção social das diferenças sexuais não se propõe a desprezar as diferenças biológicas existentes entre homens e mulheres, mas considera que, com base nestas, outras são construídas.
Nesse sentido, Bourdieu (1995) lembra que o mundo social constrói o corpo por meio de um trabalho permanente de formação e imprime nele um programa de percepção, de apreciação e de ação. Nesse processo, as diferenças socialmente construídas acabam sendo consideradas naturais, inscritas no biológico e legitimadoras de uma relação de dominação.
Essas idéias são reforçadas por Bordo (1997, p. 20), ao afirmar que "por meio da organização e da regulamentação de nossas vidas, nossos corpos são treinados, moldados e marcados pelo cunho das formas históricas predominantes de individualidade, desejo, masculinidade e feminilidade".
Se os corpos assumem a organização social, a política e as normas religiosas e culturais, também é por seu intermédio que se expressam as estruturas sociais. Assim, há uma estreita e contínua imbricação entre o social e o biológico, um jeito de ser masculino e um jeito de ser feminino, com atitudes e movimentos corporais socialmente entendidos como naturais de cada sexo (Connel 1990). Portanto, o processo de educação de homens e mulheres supõe uma construção social e corporal dos sujeitos, o que implica - no processo ensino/aprendizagem de valores - conhecimentos, posturas e movimentos corporais considerados masculinos ou femininos. E, nesse sentido, praticamente,
todo movimento corporal é distinto para os dois sexos: o andar balançando os quadris é assumido como feminino, enquanto dos homens espera-se um caminhar mais firme (palavra que no dicionário vem associada a seguro, ereto, resoluto - expressões muito masculinas e positivas), o uso das mãos [...], o posicionamento das pernas ao sentar, enfim, muitas posturas e movimentos são marcados, programados, para um e para outro sexo. (Louro 1992, pp. 58-59)
Como a idéia de gênero está fundada nas diferenças biológicas entre os sexos, ela aponta para o caráter implicitamente relacional do feminino e do masculino. Assim, gênero é uma categoria relacional porque leva em conta o outro sexo, em presença ou ausência. Além disso, relaciona-se com outras categorias, pois não somos vistos(as) de acordo apenas com nosso sexo ou com o que a cultura fez dele, mas de uma maneira muito mais ampla: somos classificados(as) de acordo com nossa idade, raça, etnia, classe social, altura e peso corporal, habilidades motoras, dentre muitas outras. Isso ocorre nos diversos espaços sociais, incluindo a escola e as aulas de educação física, sejam ministradas para turmas do mesmo sexo ou não.
Os sistemas escolares modernos não apenas refletem a ideologia sexual dominante da sociedade, mas produzem ativamente uma cadeia de masculinidades e feminilidades heterossexuais diferenciadas e hierarquicamente ordenadas (Mac An Gahill 1996). Mesmo com essa hierarquização, as construções de gênero não se opõem, ou seja, o feminino não é o oposto nem o complemento do masculino.
Sobre isso, Poovey (1988) argumenta que a oposição entre os sexos não é reflexo ou articulação de um fato biológico, mas uma construção social. A revelação de que a oposição binária é artificial desestabiliza a identidade aparentemente fixa e rígida do feminino e do masculino e impede a formulação de outras possibilidades. No que se refere à diversidade de construções de gênero, Louro lembra que,
entendendo gênero fundamentalmente como uma construção social - e, portanto, histórica -, teríamos de supor que esse conceito é plural, ou seja, haveria conceitos de feminino e de masculino, social e historicamente diversos. A idéia de pluralidade implicaria admitir não apenas que sociedades diferentes teriam diferentes concepções de homem e de mulher, como também que no interior de uma sociedade tais concepções seriam diversificadas, conforme a classe, a religião, a raça, a idade, etc.; além disso, implicaria admitir que os conceitos de masculino e feminino se transformam ao longo do tempo. (1996, p. 10)
Um entendimento dos gêneros como opostos não é exclusividade do mundo adulto. Após examinar construções de gênero em falas e em jogos de crianças em escolas primárias inglesas, Francis (1998, p. 42) afirma que as próprias crianças construíam os gêneros como opostos, a fim de reforçar seu senso de identidade feminina ou masculina. Entretanto, essas culturas não eram congeladas, e as fronteiras dessa divisão eram freqüentemente ultrapassadas ou recusadas. Similarmente, Thorne (1993) relata ocasiões em que o senso de gênero como fronteira se dissolvia, e meninos e meninas interagiam descontraidamente.
Assim, meninos e meninas não mantêm nítidas as divisões de gênero, estando por vezes separados e noutras juntos, o que, nas aulas de educação física, nem sempre ocorre sem muitos conflitos.
As construções de gênero nas aulas de educação física para turmas mistas |
Sendo gênero uma categoria relacional, há de se pensar sua articulação com outras categorias durante aulas de educação física, porque gênero, idade, força e habilidade formam um "emaranhado de exclusões" vivido por meninas e meninos na escola (Altmann 1998)2. Não se pode concluir que as meninas são excluídas de jogos apenas por questões de gênero, pois o critério de exclusão não é exatamente o fato de elas serem mulheres, mas por serem consideradas mais fracas e menos habilidosas que seus colegas ou mesmo que outras colegas. Ademais, meninas não são as únicas excluídas, pois os meninos mais novos e os considerados fracos ou maus jogadores freqüentam bancos de reserva durante aulas e recreios, e em quadra recebem a bola com menor freqüência até mesmo do que algumas meninas.
Tais constatações mostram-nos que a separação de meninos e meninas nas aulas de educação física desconsidera a articulação do gênero com outras categorias, a existência de conflitos, exclusões e diferenças entre pessoas do mesmo sexo, além de impossibilitar qualquer forma de relação entre meninos e meninas.
Mas, como alerta Kunz (1993), em estudo sobre a construção histórico-cultural dos estereótipos sexuais, no contexto escolar, a educação física constitui o campo onde, por excelência, acentuam-se, de forma hierarquizada, as diferenças entre homens e mulheres. Também Louro lembra que, se em alguns componentes curriculares a constituição da identidade de gênero parece, muitas vezes, ser feita por meio de discursos implícitos,
nas aulas de educação física esse processo é, geralmente, mais explícito e evidente. Ainda que várias escolas e professores/as venham trabalhando em regime de co-educação, a educação física parece ser a área onde as resistências ao trabalho integrado persistem, ou melhor, onde as resistências provavelmente se renovam, a partir de outras argumentações ou de novas teorizações. (1997, p. 72)
Essas resistências vêm se mostrando constantes ao longo da história dessa disciplina na escola brasileira, fortemente vinculada à biologia e ao positivismo, como apontam diversas autoras, dentre as quais Soares (1994) e Gomes (1998).
Essa história mostra que na aparência das diferenças biológicas entre os sexos ocultaram-se relações de poder - marcadas pela dominação masculina - que mantiveram a separação e a hierarquização entre homens e mulheres, mesmo após a criação da escola mista, nas primeiras décadas deste século. Buscou-se manter a simbologia da mulher como um ser dotado de fragilidade e emoções, e do homem como força e razão, por meio das normas, dos objetos, do espaço físico e das técnicas do corpo e dos conteúdos de ensino, fossem eles a ginástica, os jogos ou - e sobretudo - os esportes.
Esporte: Conteúdo genereficado e genereficador |
Com a introdução do esporte moderno como conteúdo da educação física escolar no Brasil, principalmente a partir dos anos 30, a mulher manteve-se perdedora porque era um corpo frágil diante do homem. Todavia, era por "natureza" a vencedora nas danças e nas artes. O corpo da mulher estava, pois, dotado de docilidade e sentimento, qualidades negadas ao homem pela "natureza". Aos homens era permitido jogar futebol, basquete e judô, esportes que exigiam maior esforço, confronto corpo a corpo e movimentos violentos; às mulheres, a suavidade de movimentos e a distância de outros corpos, garantidas pela ginástica rítmica e pelo voleibol. O homem que praticasse esses esportes correria o risco de ser visto pela sociedade como efeminado. O futebol, esporte violento, tornaria o homem viril e, se fosse praticado pela mulher, poderia masculinizá-la, além da possibilidade de lhe provocar lesões, especialmente nos órgãos reprodutores.
À medida que os anos transcorreram, as perspectivas sob as quais se adjetivava o esporte foram se alterando e, nas últimas décadas, presenciamos algumas mudanças: aos homens é dado o direito de praticar o voleibol, sem riscos para sua masculinidade, e o futebol passa a ser praticado por mulheres, tanto nos clubes quanto em algumas escolas.
Essa participação das mulheres foi autorizada pelo Conselho Nacional de Desportos (Brasil 1979, Brasil 1983) e endossada por estudos científicos que jogavam por terra os argumentos sobre a probabilidade de as mulheres estarem mais propensas às lesões esportivas do que os homens (Azevedo 1988).
Entretanto, não se pode considerar que, pelo fato de homens e mulheres praticarem os mesmos esportes, estes tenham deixado de ser genereficados. Basta uma análise mais cuidadosa do noticiário divulgado para verificarmos que eles continuam, de maneira geral, estreitamente ligados à imagem masculina: destacam-se a beleza das atletas, suas qualidades femininas, sempre frisando que são atletas, mas continuam mulheres. Michel Messner (1992) reforça essas idéias ao considerar o esporte
uma "instituição genereficada" - uma instituição construída por relações de gênero. Enquanto tal, sua estrutura e valores (regras, organização formal, composição sexual, etc.) refletem concepções dominantes de masculinidade e feminilidade. Os esportes organizados são também uma "instituição genereficadora" - uma instituição que ajuda a construir a ordem de gênero corrente. (Tradução nossa)
Diversos autores e autoras apontam o esporte como uma atividade predominantemente masculina e de fundamental importância na construção da identidade masculina (B. Connel 1992, R. Connel et al. 1995).
Também Badinter (1993, p. 94) afirma que os esportes que envolvem a competição, a agressão e a violência são considerados como a melhor iniciação à virilidade, pois é nesse espaço que o adolescente ganha "status de macho", mostrando publicamente seu desprezo pela dor, o controle do corpo, a força e a vontade de ganhar e esmagar os outros. "Em suma, mostra que não é um bebê, uma moça ou um homossexual, mas um homem de verdade."
Essa imagem do esporte continua afastando as mulheres de sua prática. Se freqüentarmos quadras esportivas em algum parque num final de semana, provavelmente encontraremos um número significativamente maior de homens do que de mulheres jogando. Também nas escolas as quadras esportivas são normalmente ocupadas por meninos durante o recreio e horários livres, o que, até certo ponto, demonstra que eles dominam esse universo.
Em Belo Horizonte, Altmann (1998) mostra que, na escola, os meninos ocupam espaços mais amplos que as meninas por meio do esporte, o qual está vinculado a imagens de uma masculinidade forte, violenta e vitoriosa.
Isso também parece ocorrer em escolas de outras partes do mundo. Observando pátios de escolas norte-americanas, Thorne (1993) constatou que meninos ocupavam dez vezes mais espaço do que meninas durante o recreio e, enquanto eles controlavam espaços maiores e principalmente destinados a esportes coletivos, elas permaneciam em espaços menores e mais próximos ao prédio, obtendo, assim, a proteção dos adultos. Além disso, meninos invadiam e interrompiam os jogos femininos mais freqüentemente que o contrário. Na Inglaterra, Grugeon (1995) registrou que o domínio masculino do espaço físico durante os recreios ocorria principalmente por intermédio do futebol.
Outra questão importante a ser destacada é que meninas não são vítimas de uma exclusão masculina. Vitimá-las significaria coisificá-las, 'aprisioná-las pelo poder', desconsiderando suas possibilidades de resistência e também de exercício de dominação (Altmann 1998). Como exemplo do exercício dessa resistência, trazemos o relato de um dia em que meninas jogaram futebol durante um recreio - espaço diariamente ocupado apenas por meninos.
Para se inserirem naquele universo masculino, as meninas lançaram mão de estratégias. Primeiro, visando evitar conflitos, chegaram cedo nas quadras com uma bola, organizando-se antes mesmo da chegada dos meninos. Segundo, permitiram que dois deles fossem os árbitros do jogo. Ao conceder-lhes o papel de autoridade, elas fizeram da aparente aceitação do domínio masculino daquele esporte uma estratégia para jogar, pois, ainda que o papel de árbitros lhes tenha sido concedido, o exercício pleno desta função não o foi, pois eram as meninas que mandavam em quadra. Apesar de todos os xingões que ouviram, os árbitros, e não as jogadoras, estiveram prestes a levar um cartão vermelho e serem expulsos de campo.
Os meninos também não foram passivos:
A resistência das meninas ao domínio masculino das quadras foi tão eficiente que a situação se inverteu: elas passaram a dominar e eles, a resistir.
Houve, então, um efeito de contra-resistência: ao perceberem que elas dominavam as quadras, os meninos tentaram restabelecer seu domínio, planejando uma invasão e chamando as meninas que jogavam de Marias-homem. Ainda assim, as Marias jogaram o recreio inteiro.
Quando meninos e meninas praticam juntos algum esporte, parece haver expectativa de que as práticas e os espaços esportivos sejam dominados por meninos. Na escola pesquisada,
jogar com as meninas não era um desafio para os meninos, pois um bom desempenho contra meninas não lhes creditava qualquer mérito especial, e jogar pior do que elas era um vexame, pois ia contra a expectativa de superioridade masculina nesse universo. Desse modo, jogar com meninas representava para eles não um desafio, mas uma ameaça.
Para as meninas, por sua vez, superar as expectativas e ser melhor que os meninos no esporte era uma honra, motivo de consagração que, em algumas ocasiões e entre alguns meninos, garantia-lhes legitimidade. Noutros momentos, porém, a desvalorização de sua prática esportiva e delas como mulheres era uma maneira de resistir ao abalo que sua presença nas quadras infligia ao domínio masculino daquele espaço. (Altmann 1998, pp. 98-99)
Assim, ainda que a prática de atividades esportivas seja mais freqüente entre homens, o envolvimento de mulheres com os esportes, inclusive com o futebol, está longe de ser desprezível. Se no passado apenas meninos jogavam bola, hoje meninas freqüentam esses campos não mais apenas como espectadoras, mas buscando romper com as hierarquias de gênero.
Exemplo dessa hierarquização pode ser lido numa reportagem intitulada "Mulheres invadem campos de futebol" recentemente publicada na Folha de S. Paulo, na qual afirma-se que "matar a bola no peito, driblar o adversário e marcar um gol não é mais exclusividade do mundo masculino". Ela destaca que o futebol tornou-se uma possibilidade de emprego para mulheres, que podem receber salários entre R$ 500 e R$ 1.000, valores bastante inferiores aos salários recebidos por jogadores do sexo masculino.
Outro dado interessante é que essa reportagem de meia página localizava-se nos classificados de emprego e não na seção de esportes, que era composta praticamente por cinco páginas com artigos sobre campeonatos brasileiros masculinos de primeira e de segunda divisão e sobre torneios internacionais (Abbud 1999).
Quanto aos homens, continuam "proibidos" de praticar alguns esportes, dentre os quais a Ginástica Rítmica Desportiva (GRD). Esse esporte é um dos conteúdos de ensino da educação física que nos permitem ler a genereficação do esporte, como também os mascaramentos que, historicamente, foram sendo modificados para que seja garantida a manutenção de valores desejados, com regras diferenciadas para homens e mulheres. Ao se tornar esporte considerado feminino, seu sentido de expressão de arte mudou para significado de eficiência e perfeição técnica, adaptando-se, portanto, ao conjunto de valores que o esporte prevê para os homens. Entretanto, mascarando-se o sexismo dos gestos, esse esporte, mesmo exigindo riscos, valoriza a aparente leveza e feminilidade. Dessa forma, a GRD, uma experiência que poderia ser interessante para ambos os sexos, pois possibilita a interação entre o corpo e o manejo de aparelhos manuais diferenciados, passa a ser valorizada pelos gestos sexistas.
O entendimento das barreiras da prática indiferenciada de esporte por homens e mulheres na escola remete-nos à afirmação de Kunz (1993, p. 118). Afirma essa autora que:
Na contraposição das possibilidades expressas pelos dois mundos esportivos, respectivamente para o feminino e masculino - cooperação/competição, sensibilidade/racionalidade, criatividade/produtividade [agressividade/delicadeza] - evidenciam-se os pólos que o esporte, como praticado nas escolas, não deixa, por enquanto, conciliar.
Intervenção docente |
No que se refere à intervenção docente, várias considerações podem ser feitas, dado o importante papel do professor ou da professora na aula. Para Louro (1997, p. 75), as aulas de educação física representam uma situação constante e peculiar de exame:
O uso de alinhamentos, a formação de grupos e outras estratégias típicas dessas aulas permitem que o professor ou professora exercite um olhar escrutinador sobre cada estudante, corrigindo sua conduta, sua postura física, seu corpo, enfim, examinando-o/a constantemente. Alunos e alunas são aqui particularmente observados, avaliados e também comparados, uma vez que a competição é inerente à maioria das práticas esportivas.
Todavia, esse olhar escrutinador não é exercitado somente pelo docente, mas pelos estudantes entre si. Na escola, estudantes estão constantemente vigiando as habilidades, as atitudes, o gênero e a sexualidade dos colegas. Quando, por exemplo, meninos e meninas são vistos juntos, é comum ocorrerem comentários pejorativos ou "gozações" entre outros colegas, como chamando-os de namorados ou questionando sua sexualidade por a atividade ser considerada feminina ou masculina.
Sobre essa questão, Thorne (1993) afirma que a presença de adultos entre crianças pode diminuir a separação de gênero, pois, ao incentivarem a prática conjunta de meninos e meninas, os comentários pejorativos provenientes dessa interação são minimizados.
Também Serbin (1984), pesquisando escolas elementares norte-americanas, mostrou que a presença do professor ou da professora em algum local já é por si mesma um fator de extrema importância na determinação das atividades da criança. As professoras, por terem sido socializadas como mulheres, têm interesses específicos na sala de aula e, conseqüentemente, acabam interagindo com as crianças, principalmente por meio de atividades de preferência feminina. Isso facilitaria um envolvimento dos meninos com essas atividades, mas não o envolvimento de meninas em atividades predominantemente masculinas. No experimento feito, quando a professora ocupou áreas na sala de aula onde ficavam brinquedos como blocos e caminhões, as meninas tímidas, que antes nunca tinham ido àqueles locais, aproximaram-se. A pesquisadora concluiu que as meninas não chegavam àqueles locais porque a professora não ia até lá. Os mesmos resultados foram obtidos com os meninos, quando a professora foi brincar com bonecas e quando a experiência foi repetida com professores.
"A postura docente é uma referência que define como meninas e meninos agem e se relacionam entre si" (Altmann 1998, p. 101). Meninos e meninas nem sempre reagem da mesma forma à intervenção docente, e um exemplo reside no fato de que meninos desobedecem mais a normas escolares e a solicitações docentes do que meninas.
Assim, uma maneira encontrada por meninas - e, em menor freqüência, por meninos - para resolver problemas e conflitos presentes nas aulas era por meio da intervenção docente. A professora incentivava seus alunos e alunas a colocarem-na a par do que ocorria nas aulas e a solicitarem sua ajuda para resolver problemas. Essa atitude não poderia ser interpretada como uma incapacidade de resolver o problema, pois quem levava a professora a agir era a aluna ou o aluno. Por meio da intervenção da professora, escondendo-se atrás dela, esses estudantes conquistaram o que desejavam (Altmann 1998).
Adaptar as regras de algum jogo ou esporte como recurso para evitar a exclusão de meninas desconsidera a articulação do gênero a outras categorias. Determinar que um gol só possa ser efetuado após todas as meninas terem tocado a bola, ou autorizar apenas as meninas a marcá-los são exemplos dessas adaptações. Se tais regras solucionam um problema, criam outros, pois quebram a dinâmica do jogo e, em última instância, as meninas são as culpadas por isso, pois foi para elas que as regras foram modificadas.
Como afirma Louro (1997), modificar as regras do jogo pode representar uma forma de ajustar o jogo à "debilidade" feminina, mais uma vez consagrando-se a idéia de que o feminino é um desvio construído com base no masculino. Além disso, a exclusão é aí tratada como unicamente de gênero, e aqueles meninos excluídos com as regras oficiais continuam a enfrentar o mesmo problema quando as regras são adaptadas.
São inúmeros os conflitos e as dificuldades dos educadores no enfrentamento das questões de gênero presentes na cultura escolar, especialmente nas aulas de educação física, pois se trata de valores e normas culturais que se transformam muito lentamente.
É importante lembrar que o processo de socialização das novas gerações não é simples nem pode ser considerado de modo linear ou mecânico. Ele é complexo, sutil e marcado por inevitáveis resistências individuais e grupais, bem como por profundas contradições. Nesse processo, a tendência conservadora lógica - presente em toda comunidade social para reproduzir comportamentos, valores, idéias, artefatos e relações que são úteis para a própria existência do grupo humano - choca-se inevitavelmente com a tendência, também lógica, que busca modificar os caracteres dessa formação que se mostram desfavoráveis para alguns dos indivíduos ou grupos que compõem o complexo e conflitante tecido social (Pérez Gomes 1998).
Além disso, lembrando Sacristán (1995, p. 89), cabe ressaltar que "a escola não opera no vazio; a cultura que ali se transmite não cai em mentes sem outros significados prévios". Os estudantes são seres com uma bagagem prévia de crenças, significados, valores, atitudes e comportamentos adquiridos fora da escola. A televisão, os quadrinhos, a fala e as atitudes cotidianas dos adultos e dos grupos de amigos estão cheios de estereótipos de gênero, de crenças sobre o que é ser homem ou mulher em nossa cultura.
Se, por um lado, esse fato limita o poder de intervenção da escola, por outro, não podemos esquecer que a escola também constrói cultura e que é possível criar propostas político-pedagógicas que vinculem a cultura escolar e as aprendizagens de origem externa à escolaridade.
Mesmo entendendo que o ensino escolar é uma alavanca de potencial limitado para a conquista de objetivos que afetam valores e comportamentos enraizados nos distintos grupos sociais, acreditamos que existe a possibilidade de ampliação de espaços para a construção de relações não-hierarquizadas entre homens e mulheres, para a qual a escola pode contribuir.